Nos últimos anos a fotografi a se estabeleceu como uma das
mais importantes expressões de arte em todo mundo. Como se
deu esse processo no Brasil?
A partir da década de 1990 talvez seja mais clara a presença da
fotografi a no circuito das artes. Não só nas coleções, como também
na programação de exposições em museus e galerias de arte,
que obviamente já vinham trabalhando com artistas dedicados à
fotografi a há algum tempo. No caso da Pinacoteca, a fotografi a
começa a ter uma presença constante a partir de 2002. Primeiro
com a exposição de Fernando Laszlo e, logo em seguida, com a
exposição e lançamento do livro do Mario Cravo Neto.
O acervo da Pinacoteca do Estado é composto por arte brasileira
dos séculos XIX e XX. De que forma a fotografi a se insere
nesse contexto?
Os diálogos são propostos para que exista uma relação com essa
questão do acervo num determinado momento e, numa outra ocasião,
lá no inicio da programação, sobre trabalhos de artistas que
faziam sua primeira exposição individual, depois fotógrafos que já
tinham um percurso defi nido que são os que iniciam seus trabalhos
no fi nal dos anos 1970 e, num terceiro momento, na leitura
de obras de fotógrafos com percursos mais longos como Claudia
Andujar, Cristiano Mascaro e Boris Kossoy.
Seu trabalho como curador de fotografi a na Pinacoteca é expor
artistas consagrados?
Não, nem um pouco. Nunca houve essa preocupação. Em nenhum
momento o museu pensou em privilegiar grandes nomes. A gente
trabalha grandes nomes porque os trabalhos desses artistas se inserem
dentro de um pensamento do museu. Pensamento esse que
a partir desse ano começa a ser totalmente reestruturado. Haverá
uma mudança em relação às nossas exposições e o diálogo delas
com o nosso acervo.
De que forma é feita a curadoria de fotografi a no museu?
O trabalho de curadoria de fotografi a na Pinacoteca é de ver, a
partir do nosso ponto de vista, como esses trabalhos apresentamse,
o que signifi ca o trabalho de cada artista para o museu e para
a intenção da curadoria. E, num segundo momento, de como esse
trabalho poderá ser visto pelo público. A fotografi a, dentro da Pinaentrevista
diógenes moura
colecionador
de imagens
Curador de fotografi a da Pinacoteca do Estado (São Paulo, SP), Diógenes Moura tem
uma relação próxima com o métier desde a infância em Recife, quando o seu avô reunia a
família (principalmente as crianças) para folhear álbuns de retrato. Mais tarde, ao cursar
Letras descobriu o poder das imagens na leitura de romances e poesias. Seu repertório
de pesquisas inclui passagens pela Europa e por todo Brasil. Na Pinacoteca já realizou
exposições de mestres como Mario Cravo Neto, Boris Kossoy, Cristiano Mascaro,
Thomas Farkas e Cláudia Andujar, entre outros. Nessa entrevista exclusiva para KAZA,
ele nos fala de seu trabalho e da fotografi a brasileira contemporânea.
Foto Felipe Reis
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Detalhes do
apartamento
da escritora em
São Paulo: sua
fonte permanente
de pesquisa,
a biblioteca; e
fl agrantes de seu
cotidiano: um
divertido adorno
e seu gato de
estimação
coteca, tem a intenção absoluta de criar um diálogo e a formação
de um público. Num contexto geral, a ideia é mostrar como a fotografi
a brasileira vem se desenvolvendo.
Todo curador basicamente é um pesquisador. Como você faz
suas pesquisas? De que forma você se atualiza?
Todo curador realmente é um pesquisador. Isso é uma realidade.
Eu só pesquiso o que me interessa. Minha pesquisa é sobre
fotografi a brasileira e ela se desenvolve de várias formas. Seja
na descoberta de nomes ou acervos, ou pesquisas que muitas
vezes começam de uma referência intuitiva ou de um período ou
de um fotógrafo. O que eu gosto mesmo é de buscar trabalhos.
Não trabalhos diferentes ou novos, porque esses adjetivos não
existem. Minhas pesquisas se desenvolvem muito em torno do
que posso mostrar na Pinacoteca. Nesse aspecto, me debruço
sobre períodos que me interessam como os anos 1930, 1940
e 1950 e alguns momentos nas décadas de 1970 e 1990. Nos
anos 2000 a fotografi a se modifi ca e toda doçura de uma ideologia
fascinante que existia entre os anos 1930 e 1960 começa
a se modifi car. Acredito que sou mais interessado numa fotografi
a mais tradicional.
Isso é nostalgia?
Não tenho nem um pouco de nostalgia. É memória. Minha pesquisa
é voltada absolutamente para a memória. Obviamente que
o museu apresenta outras linguagens, muitas vezes de caráter
experimental, mas estamos muito ligados à fotografi a tradicional
que é a fotografi a de memória.
Que mudança ocorreu na década de 2000 na fotografi a brasileira?
Gostaria que você explicasse melhor essa perda da doçura.
A fotografi a brasileira nos anos 2000 é uma fotografi a menos documental.
Essa fotografi a está focada em descobertas. Descobertas
das cidades, descobertas de uma forma de fazer, de provocar
o retrato, descobertas na forma de provocar sequências de cortes,
de outra velocidade...
Mas há uma mudança emblemática de como a fotografi a se
apresenta na década de 2000?
Nós nos transformamos num dos países mais violentos do mundo.
Isso muda completamente a paisagem da fotografi a. Muda o retrato,
muda a forma de você olhar, muda a forma de se ver, muda
a forma do seu gestual. Então nesse momento em que o mundo
explode em violência a fotografi a se transforma completamente.
Há fotógrafos que defi nem e marcam essa corrente?
Para mim, não. Acredito que tem trabalhos que podem marcar
um período, que podem estabelecer uma ideia. Não acho que
seja apenas um fotógrafo que represente tudo isso. Há muitos
fotógrafos que estão nesse processo, mas que já fotografaram
outros períodos. Então a fotografi a deles também se modifi cou.
Portanto, não dá para citar nomes.
Além da violência, alguma outra questão contemporânea
emergiu ou modifi cou a fotografi a brasileira?
O que aconteceu nessa última década, que de inicio foi interessante
e agora é avassalador; e me enjoa profundamente, é a
fotografi a da arte-religiosidade no Brasil que surgiu na década
de 1990. Nos anos 2000 a fotografi a se voltou para questões
relacionadas a alguns aspectos da vida social brasileira, como por
exemplo, ensaios sobre favelas, projetos ambientais e projetos de
ONGs. De certa forma isso tudo faz muito sentido, principalmente
por ser uma questão ligada às relações humanas e que precisam
ser vistas, mas há um risco de saturação muito grande.
por luiz claudio rodrigues
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Considerado um
dos melhores
curadores de
fotografi a no
Brasil, Diógenes
Moura direciona
seu trabalho
para a produção
artística com foco
na memória. Sua
criteriosa seleção
inclui fotos de
Antonio D’Agata,
Marcel Gautherot
e Olivia Gay,
entre outros